Apesar de ter uma relação de amor incondicional com o vintage e os brechós desde a adolescência, a reflexão sobre a sustentabilidade na indústria da moda e os impactos que ela causa no meio ambiente e nas pessoas que fazem parte de sua cadeia produtiva só surgiu na minha vida recentemente. Mas o engraçado é que, como apaixonada por roupas de segunda mão carregadas de história (e com precinhos mara), eu sempre pratiquei o consumo consciente, ainda que inconscientemente! Seja para dar vazão aos meus impulsos criativos (também conhecido como “fazer a LOKA”, hahaha), seja por falta de recursos, ou mesmo pela necessidade de me diferenciar através das roupas que eu uso,  sempre me meti a customizar e refazer minhas roupas também. Aliás, quem nunca cortou aquela calça jeans que já não usava tanto e transformou em short, ou deixou mais curtinha e despojada aquela velha blusa de malha, fazendo essas peças ganharem vida e significado novos? Se você já fez esse gesto simples e básico na sua casa, você já praticou o upcycling (mesmo sem saber que ele tinha esse nome, ou até mesmo antes desse nome existir!). UPCYCLING nada mais é do que você transformar um objeto com o objetivo de prolongar o ciclo de vida dele, evitando que seja descartado.

Daí que eu fui pesquisando cada vez mais sobre esse lance de consumo consciente de roupas e fui vendo que já era isso que eu mesma incentivava com o Brechó Relicário há dez anos. Mas toda essa minha reflexão ganhou força, profundidade e ressonância quando eu descobri o Movimento Fashion Revolution.

A FACE OCULTA DA INDÚSTRIA DA MODA

Mas antes de falar sobre ele, vamos fazer o seguinte exercício: dá uma olhada na roupa que você está usando neste exato momento. Você tem alguma ideia de quem participou do processo de produção dela? De quem fez sua roupa? E mais, você alguma vez já parou pra pensar que neste processo de produção estão envolvidas pessoas, em sua maioria mulheres e em muitos casos até crianças, que quase sempre trabalham em condições extremamente precárias, para que as demandas do ávido mercado do fast fashion ocidental sejam atendidas?

A partir dos anos 80, verificou-se na indústria da moda, assim como em outras indústrias, uma descentralização da produção e as negociações passaram a ser feitas em escala global, um cenário que criou um padrão de consumo caracterizado pelo baixo custo de produção, escoamento acelerado dos produtos e preços cada vez menores. A essa nova maneira de consumir moda, rápida, barata e descartável, foi dado o nome de fast fashion. As grandes redes varejistas passam a utilizar o caráter simbólico/cultural das roupas para incentivar o consumo excessivo e ter margens de lucro cada vez maiores, barateando cada vez mais a produção por meio da utilização de força de trabalho barata e/ou escrava, em países subdesenvolvidos onde as leis trabalhistas não existem ou não são cumpridas com rigor e onde as condições precárias de vida facilitam a exploração da mão-de-obra.

O uso frequente de produtos químicos pesados pela indústria têxtil e fertilizantes nas lavouras de algodão também deixa um rastro de contaminação em rios, lençóis d’água e no solo, colocando em risco a saúde das pessoas e do ambiente, além do alto consumo de água e energia. A indústria da moda já é a segunda maior poluente do planeta, perdendo apenas para a petrolífera.

Estamos vivendo em um modelo insustentável, onde os lucros das grandes corporações pode ser infinito, mas os recursos naturais não são. Enquanto a gente não se tocar que o capitalismo não deu certo, que essa ideia da felicidade através do consumo é uma grande ilusão, e começar a pensar e lutar por novos modelos de sociedade, estamos nos condenando à morte, e mais rápido do que gente imagina.

Quer saber mais sobre essa história? Assista o documentário de 2015 The True Cost (spoiler: prepare os lencinhos):

FASHION REVOLUTION DAY

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Diante deste cenário, o dia 24 de abril foi escolhido como o Fashion Revolution Day, um dia em que consumidores, estilistas, marcas, jornalistas, ativistas, fazendeiros de algodão, trabalhadores e todo mundo que se preocupa com a questão socioambiental por trás das roupas que veste se reúne para denunciar os abusos da indústria da moda, refletir sobre as condições de vida e trabalho das pessoas envolvidas na cadeia produtiva desta indústria, o seu impacto no meio ambiente e discutir ações concretas que podem ser colocadas em prática para mudar este triste cenário. E com esse burburinho a gente acaba conhecendo pessoas,  marcas  e organizações mundo afora que estão efetivamente lutando por isso!

Como um dia só não é suficiente pra tanta treta, o movimento Fashion Revolution estende a campanha ao longo de uma semana a partir do dia 24/04, usando o poder da internet e incentivando as pessoas ao redor do mundo a fotografar suas peças de roupa do lado avesso, mostrando a etiqueta e questionando as marcas através da hashtag #quemfezminhasroupas . As marcas, fabricantes e trabalhadores da indústria da moda são encorajados a responder ou se pronunciar através da hashtag #eufizsuasroupas e mostrar transparência em sua cadeia produtiva.

POR QUE O DIA 24 DE ABRIL?

Foi nessa data, em 2013, que o edifício Rana Plaza, em Bangladesh, desabou matando mais de 1000 pessoas e tornando-se o pior desastre na cadeia de produção de roupas da História. O complexo abrigava cinco fábricas de vestuário que produziam, em condições precárias, para grandes marcas como Bennetton, The Children’s Place, Primark, DressBarn e H&M. Mais uma tragédia anunciada do que propriamente um acidente, o desabamento expôs aos olhos do mundo o lado obscuro da indústria da moda internacional, a falta de transparência e o desconhecimento das condições de trabalho na base da cadeia.

E FINALMENTE… COMO POSSO PARTICIPAR?

Depois disso tudo talvez você esteja pensando que a única saída é aderir ao naturismo. Calma, gente! Como é que você pode contribuir pra que esse movimento ganhe força? O que você pode fazer para diminuir o impacto do seu consumo de roupas? Veja algumas sugestões de ações simples que você pode colocar em prática já:

  • Participe da campanha tirando fotos das etiquetas das suas roupas e poste nas redes sociais com as hashtags #quemfezminhasroupas e #fashionrevolution.
  • Procure no site fashionrevolution.org ou na página Fashion Revolution Brasil no Facebook  a programação da sua cidade.
  • Não tem nada programado na sua cidade? Que tal entrar em contato com a galera do Fashion Revolution e propor um debate, bate papo, workshop, feira ou outras atividades aí na sua área?
  • Lá vou eu bater na velha tecla: compre peças lindas e únicas em brechós e marcas que trabalham com renovação e transformação de roupas, prolongando o ciclo de vida delas e evitando o descarte excessivo.
  • Pense bem antes de comprar! Lembre-se da frase da musa Vivienne Westwood, que é nosso lema aqui no Brechó Relicário: “Compre menos, escolha bem, faça durar”.
  • Compartilhe e troque suas roupas! Eu sempre compartilhei roupas com as minhas amigas… Isso evita que você acabe comprando peças que só vai usar uma ou duas vezes. Estão surgindo inclusive projetos bem bacanas de troca e compartilhamento de roupas, como o Projeto Gaveta e a Roupateca.
  • Compre do pequeno produtor! Ele provavelmente trabalha com fornecedores e mão-de-obra locais, o que diminui o risco de exploração do trabalho, gera renda para costureiras ou pequenas confecções e fomenta a economia do seu bairro ou cidade.

Precisamos de uma mudança de paradigmas urgente! Menos consumo, menos acumulação, mais compartilhamento, criatividade, colaboração, empatia. Agora me conta aí nos comentários: que ações você já pratica no seu dia-a-dia para diminuir o impacto do seu consumo de roupas? Que ações você ainda pretende colocar em prática? Bora lutar juntos pra mudar pequenos hábitos que podem fazer uma enorme diferença? Então tá combinado! 😉